11.11.04
Fernando Pessoa – Breve Tributo à sua Memória
Fernando Pessoa* era um louco, que era um génio, porventura um génio doente, transtornado, poliédrico, mas sempre um génio, uma verdadeira máquina de pensar, incessante e perturbadora, uma mente poderosa, intensamente elucubradora.
E pensar que nunca passou de um «obscuro empregado de escritório», no seu lado social, burocrático e tributável, vagamente ocupado com a correspondência comercial de firmas importadoras da baixa lisboeta, onde fazia valer sua clara mais-valia de escritor, pelo domínio superior, criativo, das línguas portuguesa, inglesa e francesa, sua vocação acabada.
No deserto afectivo em que viveu a fase adulta da sua vida, nem uma namorada logrou conservar, pobre Ofélia, sempre à espera que ele se decidisse.
Muito pouca gente deu por ele ou o soube apreciar. Que amarga contradição encerra a sua vida !
Morreu quase incógnito, diz-se que com o fígado degradado, pelo álcool, aguardente, sobretudo, que bebia pelas noites dentro, sempre a escrever, para o mítico baú, de onde tanta gente tem tirado matéria para Mestrados e Doutoramentos, louros – quase diríamos – a ele roubados.
Ao seu funeral compareceram meia-dúzia de amigos, que o compreendiam e estimavam, como homem e como escritor.
Metido na terra fria e húmida de um soturno final de Novembro, de 1935, sob o manto espesso da indiferença geral, desaparecia, anónimo para o mundo, o grande Poeta e Pensador, Fernando Pessoa. Hoje repousa – altivamente – no Mosteiro dos Jerónimos e poucos, por esse mundo, desconhecem o seu nome.
A única distinção oficial portuguesa que recebeu em vida, pela sua criação literária, foi um modesto prémio de 2º lugar, num Concurso organizado pelo Secretariado da Propaganda Nacional(SNP), em 1934, a que ele concorreu com a sua soberba Mensagem.
Quem sabe hoje dizer o nome do 1º classificado desse olvidado Concurso ?
Foi português por opção sua : livre, determinada. Poderia muito bem ter sido inglês, como os seus meios-irmãos.
Além da alta poesia que escreveu, quase toda de cariz filosófico, deixou-nos páginas admiráveis, deslumbrantes, sobre A Portugalidade, a Língua Portuguesa, a Estética, o Sebastianismo, o Republicanismo, o Esoterismo, o Ocultismo, que sei eu...
Que mente prodigiosa !
Como o trataríamos hoje ? Como um fracassado, um fora de moda, um deslocado, um perdedor, a trabalhar a recibos verdes ?
Como se daria ele hoje com a Fama e a Glória, se as ganhasse ? Dar-lhe-iam o Nobel, se lhe publicassem a obra ?
Conhecem alguma figura mais enigmática, mais desconcertante e criativa nas letras portuguesas ?
Talvez só Camões se lhe possa comparar – se a expressão é válida –, pelo sublime génio literário que possuía e pela funda tragédia da sua atribulada vida, como a da Pátria, pelo mundo em pedaços repartida.
- Fortuna imperatrix mundi (A sorte governa o mundo) e, como bem sabemos,
- Fortuna saepe indignos favet (A sorte muitas vezes favorece os indignos dela)
António Viriato - Lisboa, 10 de Novembro de 2004, véspera de S. Martinho.
--------------------------
Súmula biográfica
· Fernando António Nogueira Pessoa nasceu às 15h20 de 13 de Junho, dia de Sto António, de 1888, no Largo de S. Carlos, nº 4, no 4º andar, em frente do Teatro de S. Carlos, na freguesia dos Mártires, em Lisboa, e faleceu no dia 30 de Novembro de 1935, às 20h30, na mesma cidade, no Hospital de S. Luís dos Franceses, no Bairro Alto, onde dera entrada um dia antes, na sequência de uma violenta crise hepática. Diz-se que a última frase que escreveu fê-lo em inglês, sua língua de infância e adolescência, que dominava com perfeição, pouco antes de se finar, num derradeiro esforço perscrutador:
- « I Know not what tomorrow will bring » ( Não sei o que o amanhã me trará/Não sei o que o amanhã me reserva ).
Entre 1896 e 1905, viveu na África do Sul, em Durban, onde o seu padrasto desempenhava funções diplomáticas. Desde o seu retorno a Lisboa, viajando sozinho, no vapor alemão Herzog, em 1905, até à sua morte, 30 anos depois, nunca mais daqui saiu, se exceptuarmos uma breve deslocação a Portalegre, para agenciar um negócio ruinoso de uma tipografia, e algumas rápidas surtidas ao Estoril e a Cascais, nos arredores da capital. Passou trinta anos a calcorrear as ruas da baixa, num limitado perímetro, entre os quartos alugados que sucessivamente ocupou, os cafés que frequentava e os escritórios onde irregularmente trabalhava. No espaço de 15 anos, entre 1905 e 1920, conhecem-se-lhe mais de vinte endereços, até se fixar no bairro de Campo de Ourique,na Rua Coelho da Rocha, nº 16, onde funciona a Casa-Museu que ostenta o seu nome. Publicou apenas um livro de poemas em vida - Mensagem. No ano do cinquentenário da sua morte, a 13 de Junho, dia do seu aniversário, os seus restos mortais foram trasladados, com pompa e circunstância, para o Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, no mesmo sítio em que jazem outras duas glórias da Pátria : Vasco da Gama e Luís de Camões. É hoje geralmente reconhecido como um dos maiores poetas de todos tempos, em qualquer língua em que se tenham expressado.
Na lápide do claustro dos Jerónimos, em que eternamente repousa, encontram-se gravados estes versos da famosa Ode, do seu heterónimo Ricardo Reis :
«Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.»
Poucos anos antes de morrer, em 1932, quase premonitoriamente, escrevera também estas quadras inquietantes :
«A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.»
E pensar que nunca passou de um «obscuro empregado de escritório», no seu lado social, burocrático e tributável, vagamente ocupado com a correspondência comercial de firmas importadoras da baixa lisboeta, onde fazia valer sua clara mais-valia de escritor, pelo domínio superior, criativo, das línguas portuguesa, inglesa e francesa, sua vocação acabada.
No deserto afectivo em que viveu a fase adulta da sua vida, nem uma namorada logrou conservar, pobre Ofélia, sempre à espera que ele se decidisse.
Muito pouca gente deu por ele ou o soube apreciar. Que amarga contradição encerra a sua vida !
Morreu quase incógnito, diz-se que com o fígado degradado, pelo álcool, aguardente, sobretudo, que bebia pelas noites dentro, sempre a escrever, para o mítico baú, de onde tanta gente tem tirado matéria para Mestrados e Doutoramentos, louros – quase diríamos – a ele roubados.
Ao seu funeral compareceram meia-dúzia de amigos, que o compreendiam e estimavam, como homem e como escritor.
Metido na terra fria e húmida de um soturno final de Novembro, de 1935, sob o manto espesso da indiferença geral, desaparecia, anónimo para o mundo, o grande Poeta e Pensador, Fernando Pessoa. Hoje repousa – altivamente – no Mosteiro dos Jerónimos e poucos, por esse mundo, desconhecem o seu nome.
A única distinção oficial portuguesa que recebeu em vida, pela sua criação literária, foi um modesto prémio de 2º lugar, num Concurso organizado pelo Secretariado da Propaganda Nacional(SNP), em 1934, a que ele concorreu com a sua soberba Mensagem.
Quem sabe hoje dizer o nome do 1º classificado desse olvidado Concurso ?
Foi português por opção sua : livre, determinada. Poderia muito bem ter sido inglês, como os seus meios-irmãos.
Além da alta poesia que escreveu, quase toda de cariz filosófico, deixou-nos páginas admiráveis, deslumbrantes, sobre A Portugalidade, a Língua Portuguesa, a Estética, o Sebastianismo, o Republicanismo, o Esoterismo, o Ocultismo, que sei eu...
Que mente prodigiosa !
Como o trataríamos hoje ? Como um fracassado, um fora de moda, um deslocado, um perdedor, a trabalhar a recibos verdes ?
Como se daria ele hoje com a Fama e a Glória, se as ganhasse ? Dar-lhe-iam o Nobel, se lhe publicassem a obra ?
Conhecem alguma figura mais enigmática, mais desconcertante e criativa nas letras portuguesas ?
Talvez só Camões se lhe possa comparar – se a expressão é válida –, pelo sublime génio literário que possuía e pela funda tragédia da sua atribulada vida, como a da Pátria, pelo mundo em pedaços repartida.
- Fortuna imperatrix mundi (A sorte governa o mundo) e, como bem sabemos,
- Fortuna saepe indignos favet (A sorte muitas vezes favorece os indignos dela)
António Viriato - Lisboa, 10 de Novembro de 2004, véspera de S. Martinho.
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Súmula biográfica
· Fernando António Nogueira Pessoa nasceu às 15h20 de 13 de Junho, dia de Sto António, de 1888, no Largo de S. Carlos, nº 4, no 4º andar, em frente do Teatro de S. Carlos, na freguesia dos Mártires, em Lisboa, e faleceu no dia 30 de Novembro de 1935, às 20h30, na mesma cidade, no Hospital de S. Luís dos Franceses, no Bairro Alto, onde dera entrada um dia antes, na sequência de uma violenta crise hepática. Diz-se que a última frase que escreveu fê-lo em inglês, sua língua de infância e adolescência, que dominava com perfeição, pouco antes de se finar, num derradeiro esforço perscrutador:
- « I Know not what tomorrow will bring » ( Não sei o que o amanhã me trará/Não sei o que o amanhã me reserva ).
Entre 1896 e 1905, viveu na África do Sul, em Durban, onde o seu padrasto desempenhava funções diplomáticas. Desde o seu retorno a Lisboa, viajando sozinho, no vapor alemão Herzog, em 1905, até à sua morte, 30 anos depois, nunca mais daqui saiu, se exceptuarmos uma breve deslocação a Portalegre, para agenciar um negócio ruinoso de uma tipografia, e algumas rápidas surtidas ao Estoril e a Cascais, nos arredores da capital. Passou trinta anos a calcorrear as ruas da baixa, num limitado perímetro, entre os quartos alugados que sucessivamente ocupou, os cafés que frequentava e os escritórios onde irregularmente trabalhava. No espaço de 15 anos, entre 1905 e 1920, conhecem-se-lhe mais de vinte endereços, até se fixar no bairro de Campo de Ourique,na Rua Coelho da Rocha, nº 16, onde funciona a Casa-Museu que ostenta o seu nome. Publicou apenas um livro de poemas em vida - Mensagem. No ano do cinquentenário da sua morte, a 13 de Junho, dia do seu aniversário, os seus restos mortais foram trasladados, com pompa e circunstância, para o Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, no mesmo sítio em que jazem outras duas glórias da Pátria : Vasco da Gama e Luís de Camões. É hoje geralmente reconhecido como um dos maiores poetas de todos tempos, em qualquer língua em que se tenham expressado.
Na lápide do claustro dos Jerónimos, em que eternamente repousa, encontram-se gravados estes versos da famosa Ode, do seu heterónimo Ricardo Reis :
«Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.»
Poucos anos antes de morrer, em 1932, quase premonitoriamente, escrevera também estas quadras inquietantes :
«A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.»
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António,
como sabe, gosto de viajar. E, como português, tenho sido recebido, noutras cidades, por gentes sempre prontas a evocar "Figo" quando confesso a minha nacionalidade. É cansativo e redutor. Foi com prazer que, numa noite, em Budapeste, ouvi "Portugal? I know a poet from Portugal, the one with the fake names..."
CMF
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como sabe, gosto de viajar. E, como português, tenho sido recebido, noutras cidades, por gentes sempre prontas a evocar "Figo" quando confesso a minha nacionalidade. É cansativo e redutor. Foi com prazer que, numa noite, em Budapeste, ouvi "Portugal? I know a poet from Portugal, the one with the fake names..."
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